Um blogue de Nuno Miguel Guedes. Todos os adjectivos são loucos. nunomiguelguedes64@gmail.com
sexta-feira, 26 de dezembro de 2014
Da incoerência.
Detesto aquelas classificações totalitárias que se destinam a obrigar seja quem for a ver, ouvir ou ler seja o que for. Mas ninguém disse que era um tipo coerente: por isso, imperdível.
quinta-feira, 25 de dezembro de 2014
Discos de 2014 made in Portugal.
Época certa para fazer balanços e revisões, dizem. Por aqui, concorda-se.E se é verdade que para Portugal este foi mais um ano dickensiano («Those were the worst of times, those were the best of times» etc) a música moderna feita no burgo não esteve mal servida. Tão bem servida que, àparte discos de jazz, não condigo encontrar nenhuma gravação estrangeira que me tenha entusiasmado sobremaneira. Idade, dirão os leitores. Espero que sim, responderei.
Assim sendo, deixo o registo dos discos nacionais que me mereceram algum êxtase em 2014, sem ordem cronológica ou de importância:
* You Can't Win, Charlie Brown - Diffraction/ Refraction
* Capitão Fausto - Pesar o Sol
* Ana Cláudia (EP) - De Outono
*António Pelarigo (fado) - António Pelarigo
* Bruno Pernadas - How Can We Be Joyful In a World Full of Knowledge.
* Sensible Soccers - 8
Assim sendo, deixo o registo dos discos nacionais que me mereceram algum êxtase em 2014, sem ordem cronológica ou de importância:
* You Can't Win, Charlie Brown - Diffraction/ Refraction
* Capitão Fausto - Pesar o Sol
* Ana Cláudia (EP) - De Outono
*António Pelarigo (fado) - António Pelarigo
* Bruno Pernadas - How Can We Be Joyful In a World Full of Knowledge.
* Sensible Soccers - 8
Se a lista parecer óbvia, ainda bem para todos.
terça-feira, 9 de dezembro de 2014
Crónica Lacónica
O ano de Lisboa
Um tipo às vezes perde-se. E então se tem como profilático
involuntário o ordenar palavras, pior ainda. Mais fácil para quem se liberta ou
está habituado ao peso dos dias, por vontade, profissão ou ambos. Mas para os
amadores, os cronistas diletantes – leia-se “os que não são pagos” – o dilema
agiganta-se: tanta coisa que acontece ( que os não-especialistas despacham com
a palavra ‘ vida’) e apesar de sabermos que não vale a pena, que ninguém quer
saber porque toda a gente sabe, os palermas insistem porque podem e têm um
blogue.
É dessa teimosia que mistura terapia com dumping que
nasceram estas crónicas lacónicas. Pequenos instantâneos que não pretendem mais
nada do que descrevê-los, sem mensagem ou moral adjacente. Está bem, pronto: é mentira.
A mera escolha das situações que servem de motivo a uma crónica implica sempre uma visão do mundo que se pretende
partilhar. No limite, seja através dos recursos que convoca – o humor, a
indignação, a análise rigorosa, a auto-depreciação, a doutrina ideológica e
mais – o cronista só quer uma coisa: ter razão, nem que seja apenas no momento
em que o leiam. Todas as reacções que provocar, boas ou más, são sinais de que
a coisa correu bem. O pior para quem escreve – e digo eu, para quem vive – é inspirar
a indiferença. Um flagelo tão próximo e comum que atinge tão depressa os que
mostram uma indignação previsível como os que tentam desesperadamente
transmitir um tédio artificial sobre tudo o que mexe, uma espécie de colchão
patético para atenuar a realidade. Mas chega de falar de mim.
Despachado o editorial, ao que interessa e que será o
formato futuro. O facto de Lisboa ser, ao que parece, uma cidade na moda em
2014 não só é merecido como tardio. Mas o verdadeiro lisboeta – ou o verdadeiro
parisiense ou o [colocar a cidade ou lugar apetecido] tem naturalmente uma
relação amor-ódio com os excelsos visitantes, porque a tem com a própria cidade
pelo simples facto de a amar. Por um estranho e maravilhoso paradoxo, quanto
mais amamos e vangloriamos o sítio onde vivemos mais desejamos que fosse um
segredo. Uma coisa só nossa, para maçar os amigos estrangeiros que nos ouvem em
reverência mas em que nós guardamos a
secreta esperança de que não divulguem a coisa. Sim, como esse restaurante
fabuloso no meio de nenhures ou a praia deserta a que só se tem acesso mediante
um curso de pára-quedismo.
Este ano trouxe a verdade: acabou. A cidade apareceu em
todas as revistas trendy; da mítica luz à tasca onde se confecciona o
melhor cozido à portuguesa a sensação do lisboeta é o mesmo híbrido: ‘claro que
isto é fabuloso mas quando é que se vão embora?’
Naturalmente tudo isto é irracional e injusto: todos os que
aqui vivem e elogiam a cidade são de repente os primeiros a não lidarem bem com
o que proclamaram. Tentamos apegarmo-nos ao que sabemos e vangloriamos; mas
depois passamos pelo engarrafamento de funâmbulos com canídeos no Chiado e
repensamos a coisa.
Há várias maneiras do lisboeta lidar com isto. A mais fácil e certa é a do reconhecimento:
Lisboa, com as suas mil aldeias miraculosamente unidas, começa a ser um
privilégio que a pouco e pouco é descoberto. Há que estar grato. Mas em rigor a
cidade ainda não está preparada para o que lhe aconteceu.
Essa é matéria de outras – tantas - conversas. Para mim, o que conta é o outro olhar, aquilo que
incomoda ou revela. Há uns dias, um rapaz inglês a viver e trabalhar na capital , perguntou-me com genuína perplexidade:« O que é que acontece às quintas-
feiras, que há sempre protestos?» O jovem vive na zona de São Bento e detectou
um padrão que eu não pude explicar. Respondi com amenidades, com a conjuntura,
sei lá. «Mas as quintas, porquê?»
É este olhar que precisamos, povo que somos e que não pratica a
auto-ironia. E foi este olhar que me provocou a mais triste resposta, nacional
e não local: «Os dias, não faço ideia. Mas para bem e para o mal, há algo que podes contar com os tugas: temos
indignação às quintas mas o Facebook nunca fecha».
domingo, 7 de dezembro de 2014
Banda Sonora Original,2
My Girl, Madness
Houve este tempo, leitores. Houve este tempo que apesar das vidas não passou. E é só por encaixar de forma tão perfeita no agora que dele vos falo. Indulgência vos peço.
O problema que me assolou desde cedo, como uma doença, foi o apego às palavras. Tudo isto seria pacífico e até ideal se pelo meio não tivesse que lidar com essa maçada que os eufemistas chamam de 'adolescência'.Uma chatice que num misto de revolta e resignação vejo reflectida nos meus filhos e que infelizmente não posso impedir.
Digamos, para evitar especulações, que tive de passar por isso. E, Deus, como fui chato! Apesar de um princípio prometedor - criancinha-metida-em-casa-por-prazer-a-devorar-livros -, a festa das hormonas (hoje já institucionalizadas sob o nome de código 'Erasmus' - convidou-me para algo que não estava preparado. No meu caso: raparigas.
Entendam: uma coisa é um tipo fantasiar sobre a Ana dos Cinco na privacidade do lar. Outra é ver-se confrontado com o que sonhou feito carne, osso e desdém. Sim, as raparigas.
Seria fácil para quem fosse um sujeito dotado desse sobrevalorizado atributo masculino que é a beleza. (nota-se muito o rancor?). Mas para quem como eu não era (e continua a não ser), todos os trunfos eram válidos. Graças a uma extraodinária educação e a uma atenção às canções desde criança, gerou-se uma imediata prioridade ao que se diz numa cantiga sobre o seu todo. Com o tempo, tudo se foi diluindo. Mas para um miúdo de 15 anos foi uma provação inútil e inapropriada falar de palavras antes do tempo.
O drama com My Girl, dos Madness, foi inevitável. A chegada do movimento 2-Tone, nos finais do anos 70, foi uma festa. Libertando-se dos ritmos enfadonhos do reggae e de um culto patético a um ditador - Haile Selassié, da Etiópia - os rapazes do norte de Londres faziam a sua vida integrando negros e brancos numa música dançável e anfetamínica que contagiava todos os que a ouviam e, no limite, geravam pancadaria entre as tribos urbanas (cf. Staring At Rude Boys, The Ruts).
Nesta maré, os Madness eram os meus preferidos. Os Specials concentravam a sua arte numa função política, de mensagem ( e é deles um dos mais belos hinos de combate aos anos Thatcher: Ghost Town). Mas os Madness focavam-se nos dramas pequenos, tão pequenos que por isso mesmo eram impossíveis de serem ignorados. O que cantavam - para além do gozo e da liberdade de poderem fazer o que lhes dava na gana - era o que acontecia. Era verdade. De resto, quanto mais absurdo, melhor.
É o que acontece com a extraodinária biópsia das relações quotidianas que é My Girl. Escrita e composta por Michael Barson, era um hino cockney a todos os rapazes que só querem estar sossegados, verem televisão sozinhos e não têm paciência para permanecer mais de um minuto ao telefone. Dito assim parece fácil,não é leitor mais experiente? Mas a minha provação foi outra: interromper raparigas de quem eu gostava com longas explicações sobre a letra:« E olha agora», dizia no meio da dança, « agora que ele diz 'por que é que ela não vê que só queria ver televisão em paz», etc. O número de namoradas que perdi foi incontável. E agora reconheço, tranquilo: ainda bem que não fui eu que me aturei.
Fica e ficará uma magnífica canção, crónica afectiva de todos os que amam. E isto eu ganhei.
Houve este tempo, leitores. Houve este tempo que apesar das vidas não passou. E é só por encaixar de forma tão perfeita no agora que dele vos falo. Indulgência vos peço.
O problema que me assolou desde cedo, como uma doença, foi o apego às palavras. Tudo isto seria pacífico e até ideal se pelo meio não tivesse que lidar com essa maçada que os eufemistas chamam de 'adolescência'.Uma chatice que num misto de revolta e resignação vejo reflectida nos meus filhos e que infelizmente não posso impedir.
Digamos, para evitar especulações, que tive de passar por isso. E, Deus, como fui chato! Apesar de um princípio prometedor - criancinha-metida-em-casa-por-prazer-a-devorar-livros -, a festa das hormonas (hoje já institucionalizadas sob o nome de código 'Erasmus' - convidou-me para algo que não estava preparado. No meu caso: raparigas.
Entendam: uma coisa é um tipo fantasiar sobre a Ana dos Cinco na privacidade do lar. Outra é ver-se confrontado com o que sonhou feito carne, osso e desdém. Sim, as raparigas.
Seria fácil para quem fosse um sujeito dotado desse sobrevalorizado atributo masculino que é a beleza. (nota-se muito o rancor?). Mas para quem como eu não era (e continua a não ser), todos os trunfos eram válidos. Graças a uma extraodinária educação e a uma atenção às canções desde criança, gerou-se uma imediata prioridade ao que se diz numa cantiga sobre o seu todo. Com o tempo, tudo se foi diluindo. Mas para um miúdo de 15 anos foi uma provação inútil e inapropriada falar de palavras antes do tempo.
O drama com My Girl, dos Madness, foi inevitável. A chegada do movimento 2-Tone, nos finais do anos 70, foi uma festa. Libertando-se dos ritmos enfadonhos do reggae e de um culto patético a um ditador - Haile Selassié, da Etiópia - os rapazes do norte de Londres faziam a sua vida integrando negros e brancos numa música dançável e anfetamínica que contagiava todos os que a ouviam e, no limite, geravam pancadaria entre as tribos urbanas (cf. Staring At Rude Boys, The Ruts).
Nesta maré, os Madness eram os meus preferidos. Os Specials concentravam a sua arte numa função política, de mensagem ( e é deles um dos mais belos hinos de combate aos anos Thatcher: Ghost Town). Mas os Madness focavam-se nos dramas pequenos, tão pequenos que por isso mesmo eram impossíveis de serem ignorados. O que cantavam - para além do gozo e da liberdade de poderem fazer o que lhes dava na gana - era o que acontecia. Era verdade. De resto, quanto mais absurdo, melhor.
É o que acontece com a extraodinária biópsia das relações quotidianas que é My Girl. Escrita e composta por Michael Barson, era um hino cockney a todos os rapazes que só querem estar sossegados, verem televisão sozinhos e não têm paciência para permanecer mais de um minuto ao telefone. Dito assim parece fácil,não é leitor mais experiente? Mas a minha provação foi outra: interromper raparigas de quem eu gostava com longas explicações sobre a letra:« E olha agora», dizia no meio da dança, « agora que ele diz 'por que é que ela não vê que só queria ver televisão em paz», etc. O número de namoradas que perdi foi incontável. E agora reconheço, tranquilo: ainda bem que não fui eu que me aturei.
Fica e ficará uma magnífica canção, crónica afectiva de todos os que amam. E isto eu ganhei.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
Agradecimento
Gosto de regressos. Ainda mais quando eles são notados com uma atenção que não mereço. Neste aventuroso regresso à blogosfera tenho sido reparado por pessoas e blogues que me habituei a ler. Hoje o agradecimento vai para a simpática referência que o excelente Estado Sentido me dedicou. Eu, que nunca os deixei de ler, agradeço. Por vezes, ao contrário do Larkin, home is not that sad.
That joke isn't funny anymore
Para quem despreza o Carnaval, como eu, a vida não está fácil: basta ver o foguetório de opiniões que os acontecimentos dos dias recentes libertaram. Sobre esse assunto, por aqui nada: subscrevo o comentário que achei mais avisado sobre o assunto: há festas a que não compareço mesmo quando sou convidado.
Outra coisa é flutuar nas conversas ébrias dos amigos, sem destino e à deriva. É daí que venho, com esta urgência de plástico de esclarecer coisas sem que ninguém se interesse. Mas o blogue é meu, e pronto.
Eis a história pequena: mais uma vez me chamaram de pessimista.E com argumentos e name dropping que só aos amigos perdoamos. Tudo perfeito, não fossem ter chamado este blogue à conversa. Daí que, e para quem possa interessar: não sou um pessimista, sou um céptico. O céptico duvida; o pessimista acredita num desfecho. E eu, por princípio, não acredito.
Outra coisa é flutuar nas conversas ébrias dos amigos, sem destino e à deriva. É daí que venho, com esta urgência de plástico de esclarecer coisas sem que ninguém se interesse. Mas o blogue é meu, e pronto.
Eis a história pequena: mais uma vez me chamaram de pessimista.E com argumentos e name dropping que só aos amigos perdoamos. Tudo perfeito, não fossem ter chamado este blogue à conversa. Daí que, e para quem possa interessar: não sou um pessimista, sou um céptico. O céptico duvida; o pessimista acredita num desfecho. E eu, por princípio, não acredito.
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
Compadrios
O Pedro Rolo Duarte , no seu blogue homónimo, nomeia este Advérbio o seu blogue da semana. Coisa imprudente e exagerada, que só pode vir de uma amizade com raízes antigas. Eu só tenho que agradecer e tentar corresponder. Que este desavergonhado compadrio - que vive de admiração mútua - se mantenha. Agora é que vou ter mesmo que escrever mais.
quinta-feira, 20 de novembro de 2014
segunda-feira, 17 de novembro de 2014
Banda Sonora Original,1
Dinner at Eight, Rufus Wainwright
E há este fenómeno que algumas canções contêm:
inspiram-nos medo. Receamo-las pelo excesso de tristeza, pelo excesso de
beleza, pela mais pura impotência que nos conferem. Não têm necessariamente que
chocar com os nossos dias ou actuarem como espelhos mais ou menos distorcidos.
Basta que nos enfrentem com uma verdade reconhecível, dolorosa ou não.
Dinner at
Eight, incluído no espantoso Want One (2003), é uma dessas canções.
Para ser rigoroso, trata-se de um ajuste de contas cantado e musicado, com a
voz e as palavras de Rufus Wainwright a
traduzirem anos de raiva e mal estar que de repente irrompem de forma
vulcânica, libertados por pretextos banais, cobrindo uma solidão e uma
necessidade de amor que esfaqueiam a alma. Transforma-nos em voyeurs
hipnotizados por um psicodrama que tem lugar mesmo à nossa frente. Transmitem a
mesma sensação de incómodo que nos assola quando um casal desconhecido discute
em voz alta perto de nós. Apetece calar aquela força, fugir. E tudo se torna
ainda mais perigoso quando sabemos que este combate a que assistimos é entre um
pai e um filho.
Loudon
Wainwright III, o pai presente neste jantar, não terá tido tanto sucesso nas
ligações familiares como o teve na sua carreira artística: para além deste Dinner
At Eight, a sua filha Martha gravou o mais explícito Bloody Mother
Fucking Asshole e dedicou-o ao paizinho. Mas se a família era disfuncional
pelo menos tinha talento: Wainwright sénior foi uma estrela nos anos 60 e 70,
chegando a ser considerado o «novo Bob Dylan». Já em 2010 venceu o Grammy
para Melhor Álbum de Folk Tradicional,
com High, Wide & Handsome. As suas canções misturam humor e
contestação, e foi admirado pela sua coragem e ao mesmo tempo por ser um tipo
porreiro. Michael Palin, um ex- Monty Python, escreve no seu diário que o
conheceu em 1969, durante a tournée americana do grupo e o achou muito
simpático e divertido. De facto, Loudon espalhava o seu encanto por todo o lado
e era requisitado para variadíssimos eventos sociais: afinal era um aristocrata
nova-iorquino, descendente directo de Peter Stuyvesant , o último director
–geral da colónia holandesa dos Novos Países Baixos e responsável (entre uma e
outra perseguiçãozita religiosa) pela decisiva expansão de Nova Amesterdão –
mais tarde rebaptizada de Nova Iorque. Esta ilustre linhagem não terá impedido
Wainwright de assinar essa obra-prima de subtileza intitulada I Wish I Were
A Lesbian.
O confronto
tornava-se assim inevitável: o pequeno Rufus ia cantando Heart Of Glass
dos Blondie no banco de trás do carro do pai, com falsetes e meneios incluídos.
Loudon, que para celebrar o nascimento do rapaz escreveu o extraordinário Rufus
Is A Tit Man, via as suas esperanças de ter um filho marialva diminuirem; e
mesmo depois de se ter divorciado da também cantora Kate McGarrigle continuou a
manifestar o seu desagrado com a sexualidade que calhou ao seu descendente.
Apesar de tudo foi por influência do pai - reconhecendo um óbvio talento – que
Rufus gravou o seu primeiro disco. O resto já pertence à história da música
popular.
Em 2003, depois
de dois anos de dependência de metanfetaminas e uma vida afectiva em que
alternou a profunda solidão com a mais ostensiva promiscuidade, Rufus
Wainwright decide exorcizar os seus demónios em Want One, primeiro álbum
de um díptico catártico e magnífico. É um disco épico de raiva, ternura, humor,
auto-depreciação, angústia. Em termos sonoros, é uma catedral: Wainwright
utiliza variadíssimos truques de estúdio que fariam as delícias de Brian
Wilson. As canções continuam complexas, nos arranjos e nas letras, muitas vezes
com referências eruditas – de resto a sua imagem de marca como compositor e
autor. Nunca o rótulo de pop barroco (ou «pop de câmara») terá colado tão bem
como em Want One. O exemplo maior desta estética – e ao mesmo tempo uma
das melhores canções do disco e, de caminho, da primeira década do segundo
milénio – é Go Or Go Ahead, uma saga de quase sete minutos em que o
cantor lamenta o seu passado e proclama a sua ressurreição.
No final, acompanhado apenas pelo piano, chega então Dinner At Eight,
a contrastar formalmente com os excessos dos temas anteriores. As palavras
ganham por isso mais peso, são dedos acusadores (‘I’m gonna break you down /
and see what you’re worth/ what you’re really worth to me’) até ao anúncio da
redenção e, com sorte, do perdão. Sentem-se os dias que passaram, as histórias
que não são ditas até chegar a este confronto.
É mesmo o que já
se disse: uma canção que faz medo. E se a coloco na minha banda sonora original
é porque rezo para que os meus filhos nunca venham a cantar algo semelhante,
por mais genial que seja.
sábado, 15 de novembro de 2014
EDITORIAL
Este blogue prefere encómios a manicómios. Mas tem canções, irritações e palpitações. Tem desejos e azulejos. Fala de tudo e de nada. Por regra prefere o estilo à substância embora admita excepções, desde que com pinta.
Este blogue sabe e ensina a fazer cocktails. Segue fanaticamente a arte perdida de viver.
Este editorial c'est moi.
NMG
sábado, 8 de novembro de 2014
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